quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Leonardo Boff Comenta Copenhague

O que está em jogo em Copenhague

Leonardo Boff *

Em Copenhague os 192 representantes dos povos vão se confrontar comuma irreversibilidade: a Terra já se aqueceu, em grande, por causa denosso estilo de produzir, de consumir e de tratar a natureza. Só noscabe adaptamo-nos às mudanças e mitigar seus efeitos perversos.O normal seria que a humanidade se pergunta, tal como um médico faz aoseu paciente: por que chegamos a esta situação? Importa considerar ossintomas e identificar a causa. Errôneo seria tratar dos sintomasdeixando a causa intocada continuando a ameaçar a saúde do paciente.

É exatamente o que parece estar ocorrendo em Copenhague. Procuram-semeios para tratar os sintomas, mas não se vai à causa fundamental. Amudança climática com eventos extremos é um sintoma produzido porgases de efeito estufa que tem a digital humana. As soluções sugeridassão: diminuir as porcentagens dos gases, mais altas para os paísesindustrializados; e mais baixas para os em desenvolvimento; criarfundos financeiros para socorrer os países pobres e transferirtecnologias para os retardatários. Tudo isso no quadro de infindáveisdiscussões que emperram os consensos mínimos.

Estas medidas atacam apenas os sintomas. Há que se ir mais fundo, àscausas que produzem tais gases prejudiciais à saúde de todos osviventes e da própria Terra. Copenhague dar-se-ia a ocasião de sefazer com coragem um balanço de nossas práticas em relação com anatureza, com humildade reconhecer nossa responsabilidade e comsabedoria receitar o remédio adequado. Mas, não é isto que estáprevisto. A estratégia dominante é receitar aspirina para quem tem umagrave doença cardíaca ao invés de fazer um transplante.

Tem razão a Carta da Terra quando reza: "Como nunca antes na história,o destino comum nos conclama a buscar um novo começo... Isto requeruma mudança na mente e no coração". É isso mesmo: não bastam remendos;precisamos recomeçar, quer dizer, encontrar uma forma diferente dehabitar a Terra, de produzir e de consumir com uma mente cooperativa eum coração compassivo.

De saída, urge reconhecer: o problema em si não é a Terra, mas nossarelação para com ela. Ela viveu mais de quatro bilhões de anos sem nóse pode continuar tranquilamente sem nós. Nós não podemos viver sem aTerra, sem seus recursos e serviços. Temos que mudar. A alternativaà mudança é aceitar o risco de nossa própria destruição e de umaterrível devastação da biodiversidade.

Qual é a causa? É o sonho de buscar a felicidade que se alcança pelaacumulação de riqueza material e pelo progresso sem fim, usando paraisso a ciência e a técnica com as quais se pode explorar de formailimitada todos os recursos da Terra. Essa felicidade é buscadaindividualmente, entrando em competição uns com os outros, favorecendoassim o egoísmo, a ambição e a falta de solidariedade.

Nesta competição os fracos são vitimas daquilo que Darwin chama deseleção natural. Só os que melhor se adaptam, merecem sobreviver, osdemais são, naturalmente, selecionados e condenados a desaparecer.

Durante séculos predominou este sonho ilusório, fazendo poucos ricosde um lado e muitos pobres do outro à custa de uma espantosadevastação da natureza.

Raramente se colocou a questão: pode uma Terra finita suportar umprojeto infinito? A resposta nos vem sendo dada pela própria Terra.Ela não consegue, sozinha, repor o que se extraiu dela; perdeu seuequilíbrio interno por causa do caos que criamos em sua basefísico-química e pela poluição atmosférica que a fez mudar de estado.A continuar por esse caminho, comprometeremos nosso futuro.

Que se poderia esperar de Copenhague? Apenas essa singela confissão:assim como estamos não podemos continuar. E um simples propósito:Vamos mudar de rumo. Ao invés da competição, a cooperação. Ao invés deprogresso sem fim, a harmonia com os ritmos da Terra. No lugar doindividualismo, a solidariedade generacional. Utopia? Sim, mas umautopia necessária para garantir um porvir.

[Autor de Homem: Satã ou Anjo bom?, Record 2008].

* Teólogo, filósofo e escritor

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